terça-feira, 29 de novembro de 2011

Para uma Psicologia histórico-social e a construção de um novo mundo: um olhar sobre a obra de Vigotski por Marcos Arêas Coimbra.

A teoria psicológica produzida por Vigotski é denominada de corrente histórico-social. Tal teoria da psicologia foi desenvolvida durante o regime comunista soviético e calcada nos pressupostos do pensamento marxista. Neste sentido é um saber que se apropria de noções fundamentais para o marxismo como o materialismo histórico e a dialética.
Para compreendermos a teoria deste autor, e de seus seguidores, parece fundamental pensá-la em contraste com uma abordagem liberal da psicologia humana, em que o individualismo prevalece na análise das relações subjetivas e sociais. Na realidade a base ontológica do ser na teoria liberal prescinde em sua essência de toda e qualquer relação social, posto que o sujeito será analisado sob o signo de sua particularidade absoluta. Este pensamento tem nítidas bases nas colocações iluministas de Locke e outros autores que entendiam que o indivíduo era determinado em seu mais profundo "eu" por uma constituição inata.
Na abordagem histórico-social o Homem e sua consciência é fruto das relações sociais e do processo histórico por que passam e se desenvolvem todas as sociedades ou grupos humanos. As atividades humanas em busca da satisfação de suas necessidades biológicas geram todo um modo de produção que será nuclear no momento em que as representações individuais se consolidarem. Ao trabalhar o Homem transforma a natureza e através do produto desta transformação, os significados e a própria realidade será moldada de maneira que produzirá uma cultura específica.
O desenvolvimento constante desta transformação social será fruto, ou gerará, uma mudança na realidade que terá por escopo o processo histórico da humanidade. Deste modo cada indivíduo deve ser analisado em conformidade com o seu tempo, pois em função de uma dialética inerente ao desenrolar da história, cada período deste processo demonstrará diferentes formas de ser e, portanto, designará um modo de viver e pensar específico.
A aprendizagem do sujeito será parte de um todo, em que o trabalho é essencial para determinar a posição social do indivíduo. Ao interagir com o mundo o ser absorve os padrões culturais de seu tempo, e, sobretudo, a linguagem, ferramenta inerente ao ato de pensar. E como a linguagem é um fenômeno social e histórico, está inserida no processo de constituição e materialização da realidade específica. Assim a linguagem é produto e produtor dos sentidos e significados específicos, que absorvidos pelo sujeito, em uma dialética, tratarão de calcar a vida interior do mesmo. Trocando em miúdos: o sujeito sofre ação da cultura ao mesmo tempo em que nela age.
A psicologia de Vigotski considera o Homem enquanto ser concreto, fazendo jus ao seu substrato marxista. Assim a consciência e a constituição do ser deve ser desvendada no âmbito das relações sociais nas quais o indivíduo vive e interage. Este é um ponto bastante interessante pois requer do psicólogo uma análise que vá muito além do estudo de questões internas como o passado daquela pessoa em particular ou que acredite que todo homem possui uma estrutura a priori. Este profissional deverá fazer uso da interdisciplinaridade para que consiga mapear as determinações daquele tempo em particular - do tempo do indivíduo.
Ora , se é desvendando as relações sociais do mundo em que vive o sujeito que o profissional consegue compreender as necessidades e as atitudes tomadas pelo mesmo para satisfazê-las, necessariamente um conhecimento prévio sociológico e histórico será fundamental.
A subjetividade individual é um amálgama da existência interna e externa do homem. Pois conforme atua na realidade, moldando esta ao agir sobre ela, ele também é tocado pela mesma, atingindo o subjetivo. As dimensões da subjetividade se integram e desintegram em um processo de interdependência mútua.
Quando vivemos em sociedade estamos todo o tempo agindo de maneira a responder a estímulos externos que são condicionados historicamente, mas isso não quer dizer que somos passivos, mas pelo contrário, Vigotski é inovador exatamente por entender que a atividade do indivíduo, de modo dialético, é transformadora.
Nossos desejos, necessidades, dissabores, conquistas estão tão inseridas em um contexto mais amplo que não somos capazes de afirmar a nossa subjetividade senão em sociedade. Enquanto ser social o mundo passa a ser espaço de realização e não de frustração.
Porém, há que entender que os desejos em um sistema capitalista são dirigidos por um projeto consumista.
A teoria de Vigotski foi pensada sob um regime que entendia o Homem como atuante em uma sociedade que primava pelo coletivo e talvez por isso não se preocupou tanto com a manipulação típica das sociedades de massa, onde uma transformação da vida em algo mercantilizado faz, ou busca fazer, do sujeito mais um consumidor autômato do que um cidadão livre e consciente. Na sociedade liberal, e este é o ponto irônico da questão, a liberdade é parte de um projeto escravocrata, no sentido amplo do termo.

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