sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma Breve Introdução à História da Psicologia por Marcos Arêas Coimbra


A psicologia, como todas as ciências, possui uma historicidade, ou seja, nasce e evolui conforme a humanidade se desenvolve. Seu corpo de idéias e seus conceitos acompanham este movimento, em consonância com os valores estabelecidos pela mentalidade coletiva e social preponderante.

A análise da história deste saber é um labor que descortina aos poucos seus conteúdos inerentes e perfaz a tentativa do estudioso, mesmo que no caso presente de maneira superficial mas não menos entusiasmada, de compreender seus mecanismos de atuação.

O primeiro ponto que devemos atentar é a diferença que há entre um conjunto de conceitos específicos, atuando em função de uma epistemologia própria, denominado hoje como científicos, e um saber que costuma-se nomear de senso comum, ou formado por este último.

Na realidade a idéia de uma psicologia científica, com um nicho particular e privilegiado de atuação, separando os profissionais da área dos demais, está inserida na ideologia, formada com muita força após o século XIX, de que é possível ao homem estabelecer relações com o mundo exterior baseadas em faculdades, ou capacidades, mentais fornecedoras de descobertas de um sentido implícito na natureza das coisas ou do mundo.

O senso comum atua sem método. É uma coleção de experiências próprias do existir no mundo presente, geralmente capaz de formar uma teia de provérbios ou estórias, que em última instância busca explicar e amparar dúvidas da existência em si, angústias sentidas desde tempos imemoriais pela humanidade quando deparada com perguntas para as quais não há respostas imediatas. Todas as civilizações e sociedades formulam ou formularam grandes coletâneas de mitos e lendas cujo objetivo geralmente é o mesmo - dar conta do infinito e do Tempo que "se move" à revelia desta mesma humanidade.

De certo modo devemos fazer uma ressalva aqui. Chamamos de mito e lendas os saberes "não científicos" geralmente com o intuito de diminuí-los, de colocá-los em uma posição ideológica inferior, mais fraca, processo que está inserido em um grande jogo de poder, em que as armas são o próprio estatuto de "verdade absoluta". Como mostrou-nos Foucault e outros, se fizermos uma "arqueologia dos saberes", chegaremos à conclusão de que nenhum deles conseguirá ser absolutamente exato, como querem os defensores do cientificismo absoluto.

Destarte, para começar a entender a psicologia enquanto saber construído, devemos tecer um breve olhar sob a história e do processo de produção do que se costuma chamar assim. No caso deste texto iremos da Antiguidade até Freud. Atentemos que três correntes da psicologia dita científica mereceram mais destaque, o Behaviorismo, a Gestalt, e a Psicanálise.

Desde a Antiguidade, sobretudo com os filósofos gregos, marcadamente Platão e Aristóteles, pergunta-se o que está por detrás do corpo físico, o que é esta força invisível que anima a alma. A própria idéia de alma é fruto deste questionamento, definindo-a Platão como algo desprendido do corpo físico, uma realidade abstrata que permanece após o perecimento da existência terrena. Para Platão há um "mundo" supraterreno, onde as coisas vivem em, sua essência, uma existência que não está fadada aos falsos efeitos da contingência da realidade física.

Já para Aristóteles, o foco de análise muda de posição, como muito bem podemos ver no quadro do pintor da renascença, pois se Platão aponta para o alto, Aristóteles direciona o seu pensamento para as coisas terrenas, para a Natureza.

Na filosofia deste autor o labor filosófico deve orientar-se em direção à descoberta dos segredos ocultos da existência através de uma minuciosa - e se possível "sistemática" - pesquisa do mundo natural e humano, compreendendo que as verdades estão inseridas na própria configuração da criação do planeta.

Assim o autor grego irá iniciar uma nova corrente metodológica. Se no pensamento platônico a especulação metafísica e as análise de discursos abstratos serão privilegiados, recorrendo mesmo muitas vezes ao mito para exemplificar seus pontos de vista filosóficos, no caso aristotélico a verdade está em uma "ciência" da natureza. Neste sentido a psicologia implícita no seu pensamento irá posicionar a alma dentro do corpo, e não fora em um mundo supraterreno. O que nos interessa efetivamente aqui é chamar a atenção para o fato de que este antagonismo epistemológico será uma constante durante todo o desenvolvimento do pensamento ocidental.

Na Idade Média a discussão será pautada por uma mescla deste antagonismo com a presença da narrativa bíblica. Os dois autores mais citados são Santo Agostinho como representante de uma visão neoplatônica cristianizada da alma, ou seja: a alma é algo que transcende o corpo físico e foi criada por Deus para animar os seres humanos que, por sua vez foram criados a sua semelhança. A idéia por trás deste pensamento era a de salvação, ou seja, a constituição da psicologia do homem era determinada pela rigorosa observância dos mandamentos morais e todo desvio era devido ao pecado ou às investidas do Diabo.

Com o advento da escolástica, teremos a redescoberta de Aristóteles, que sob a pena de Tomás de Aquino
somos capazes de enxergar o processo de volta e busca dos fundamentos ontológicos e psicológicos na própria terra, na própria criação. A escolástica, episódio do pensamento ocidental que se fortalece sobretudo no século XIII, iniciará o grande caminho de cunhagem de uma autonomia filosófica, que em função do prestígio e, quando necessário, da repressão da Igreja, será forçada a tomar o dogma religioso como parâmetro antes de qualquer especulação mais aprimorada.

As idéias a partir de então vão ganhando complexidade , uma batalha "campal" será definitivamente travada no âmbito do conhecimento até que haverá a desconexão final da filosofia do dogma. E com isto a noção - principalmente após o advento do cogito cartesiano- de que um método puro, claro e exato, é condição sine qua non para o alcance das verdades absolutas, ganhará uma força crescente até o chamado método positivista.

Aqui, as especulações metafísicas perderão quase todo o espaço para um cientificismo. A psicologia, enquanto saber autônomo, conhecerá enorme crescimento. Como havia uma espécie de obrigatoriedade de rigor necessário para que um saber se considerasse "científico", que as conclusões observadas pudessem ser repetidas em um ambiente controlado, pesquisas no campo da psicologia se voltaram fortemente para a formação de grandes laboratórios no seio das universidades, buscando entender o funcionamento da mente humana.

Na Alemanha principalmente veremos em meados do século dezenove experimentos voltados para a compreensão da fisiologia do sistema nervoso. Entendia-se que todo mecanismo mental do ser humano, seja racional seja afetivo, era reflexo de um funcionamento orgânico do cérebro e seus componentes.

Neste diapasão surgiu o Behaviorismo, primeiro grande passo efetivo no sentido de sistematizar um conhecimento próprio da psicologia científica, ou seja, ela própria enquanto saber se auto determinando, por possuir agora um método seu por excelência.

Este método consistia na prática de experimentos controlados em laboratório, sob o paradigma da função estímulo-resposta. Sob nossos olhos de homens do século XXI, pode parecer uma tentativa inocente e pueril, mas para a época foi um grande avanço. A famosa experiência com ratos de laboratório, que eram forçados a "apreender" certos comportamentos para alcançar respostas, como um pouco de água após acionar uma pequena alavanca, foi um grande avanço para entender como a mente humana se constitui e constrói a partir de relações do meio em que vive.

O segundo grande avanço se deu com a Gestalt. Este grupo de pensadores questionaram o mecanicismo metodológico da doutrina acima. Para estes há que levar em consideração a intervenção da consciência indivudual na percepção dos eventos pesquisados, determinado assim uma grande singularidade para cada experiência humana. A noção de indivíduo é considerada, não como um empecilho ou algo que desconfigurará o cunho científico da psicologia, mas pelo contrário, caso não seja observada, criará desvios e até mesmo engessará o desenvolvimento deste saber.

Apesar de que a noção de percepção ainda está muito ligada aos métodos experimentais de laboratório, a introdução desta variável foi fundamental para o avanço da psicologia. Muitas das suas descobertas no campo da percepção sensorial são válidas até hoje, sendo usadas sobretudo na análise crítica de obras de arte e arquitetura.

Ao lado, ou para além, de todo este desenvolvimento, está o grande divisor de águas do pensamento, não apenas psicológico, mas humano do século XX. A obra de Sigmund Freud. Este pensador será responsável por um salto enorme no modo como se entende a constituição do ser humano como um todo. E o mais interessante e apaixonante está, a nosso ver, na maneira inaudita como pesquisou e deu corpo ao seu trabalho. A sua vida e suas descobertas não podem ser destacadas uma da outra, o que já prenuncia a revolução que trás consigo.

Freud percebeu que há algo na constituição da mente humana diverso e mais complexo que os circuitos neurofisiológicos. Através do contato com outros estudiosos, como Josef Breuer, foi capaz de participar de sessões de hipnose em que o paciente, ao entrar em estado hipnótico, revelava idéias e emoções reprimidas que causavam efeitos corporais ou psíquicos, sugerindo portanto que há um espaço na mente humana que não é acessível ao estudioso de maneira puramente racional, consciente.

Com base nestas descobertas Freud irá construir um grande conjunto de métodos com vistas à ter acesso ao que chamará de inconsciente, como interpretando sonhos, pela mera conversa com o paciente reveladora de idéias e sentimentos reprimidos, pela postura e movimento corporal, etc. O mais importante é que obrigará ao conhecimento científico, ao saber humano, a levar em consideração as implicações de uma descoberta desta magnitude. O ser humano passará a ser analisado e entendido como algo muito mais complexo, e o seu conhecimento obrigará o cientista a esforços muito maiores que a simples coleção de dados ojetivos passíveis de repetição em laboratório.

A conformação da personalidade do indivíduo, vasto universo singular, deve ser pesquisado desde seus primeiros anos de vida. O conceito de complexo de Édipo, id, ego, e superego, são demonstrações do aprimoramento deste grande conjunto de descobertas e formulações teóricas que o pensador vienense constrói durante a sua própria prática enquanto psicanalista. O que vale como método é a interpretação de cada universo particular compreendido no todo que perfaz a constituição psico-afetiva de um indivíduo, em sua mais profunda singularidade.

Terminamos esta breve exposição com uma pequena passagem de Ana Bock sobre as aplicações e o caráter social da psicanálise, muito importante, acreditamos, para todo ser humano, ser social por natureza:
" A característica essencial do trabalho psicanalítico é o deciframento do inconsciente e a integração de seus conteúdos na consciência. Isto porque são estes conteúdos desconhecidos e inconscientes que determinam, em grande parte,a conduta dos homens e dos grupos - as dificuldades para viver,o mal-estar, o sofrimento.
A finalidade deste trabalho investigativo é o autoconhecimento, que possibilita lidar com o sofrimento, criar mecanismos de superação das dificuldades, dos conflitos e dos submetimentos em direção a uma produção humana mais autônoma, criativa e gratificante de cada indivíduo, dos grupos, das instituições."

Um comentário:

  1. Adorei o texto!!!! Nem dá pra comentar aqui... temos mesmo que marcar um café!!!
    Bjo Jurema

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