sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

LENDAS NA HISTÓRIA

(Guilherme de Melo Sarmento Filho)

Reza uma das várias lendas sobre a Atlântida que a monumental cidade pagou com a própria existência a soberba intransigente de ter alcançado níveis extremos de avanço tecnológico, tornando-se demasiadamente materialista e displicente com as questões espirituais pelas quais seus ancestrais fundamentaram uma elevada moral e domínio metafísico através do equilíbrio com a natureza e o cosmo sideral. Seus habitantes passaram então a viver em função dos prazeres carnais e das facilidades materiais que a tecnologia e a ciência pudessem lhes oferecer, negligenciando cada vez mais as cerimônias e rituais que os religavam com o que acreditavam antes ser o Um universal. A resposta do Deus então teria sido sepultar de uma vez por todas (diz a lenda que foram três catástrofes) a cintilante cidade no fundo escuro e frio dos mares. A lição dos que, prevendo o desastre, migraram para outras regiões formando as civilizações egípcia, celta e maia foi a de exercer um controle bem mais rígido na disseminação da sua sabedoria científica. Desse modo, os egípcios criaram as "Escolas de Mistérios" e os celtas optaram por não desenvolverem-se muito materialmente, camuflando os seus saberes nas roupas da mágica.

Mais ou menos 20.000 anos depois, na era da cultura digital, onde o tempo é pautado pela exposição midiática no sentido da apoteose dos valores materiais e a contemplação do espaço e da vida sede, irresistivelmente, lugar à uma psiquê geral dissociada dos problemas úteis da existência, vegetando indeterminadamente no sonho colorido da TV que esmera na satisfação dos prazeres fugazes dos sentidos, a relação com a religação espiritual histórica da humanidade é construída de forma superficial, apática e até mesmo desconfiada ou desacreditada.

Reza a lenda bíblica que Jesus (Matheus, Cap.21), ao se deparar com a comercialização de um templo destinado ao culto da fé, tomado de cólera, expulsou os mercadores daquele espaço afirmando que ali era "uma casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões".

Mais ou menos 2.000 anos depois nos preparamos para comemorar mais um dia de natal. A lembrança, historicamente destinada para a celebração do nascimento de Jesus, hoje praticamente está institucionalizada como mais uma dentre as centenas de datas-festas do ano, destinada ao ponto facultativo lazer e ao consumo frenético de comida e mercadorias de manutenção do sistema. A contradição está justamente em uma sociedade que abre a boca e bate no peito para dizer que é cristã e que faz o uso ideológico do imaginário cristão para se colocar culturalmente como herdeira da civilização diante do "outro", os povos "bárbaros" do oriente. Jesus deve estar se revirando no seu trono astral. "Nunca na história" uma sociedade esteve tão perto  dos Atlantis de milênios atrás. E aqui cabe a pergunta: Nosso destino será o mesmo?

Um comentário:

  1. Concordo que o que vemos hoje a nossa volta é triste. A satisfação pessoal é cada vez mais pautada em conquistas materiais e no virtual. Hoje, em uma mesa de bar ou em uma reunião, parece que mais importa o seu chat pelo Facebook do que a conversa cara a cara com a pessoa que está ali, dividindo a mesa com você.

    A preservação da natureza então nem se fala. Eu vejo tudo como uma grande camuflagem. Os tão chamados 'produtos ecológicos' não passam de uma mentira para enganar os 'amigos da natureza' (com algumas pouquíssimas exceções). Mesmos os ecochatos que falam pelos cotovelos sobre preservação e tal, não deixam de ter um carro, pegar um ônibus, ter um iPhone ou qualquer outro bem que, claramente, sua produção o torna insustentável, até porque o lema do capitalismo é produzir, produzir e produzir...

    Aí deixo a mesma pergunta que você. E aí? Já era? Eu acho que sim. Essa crise financeira já mostra a fraqueza do sistema, e ela ainda está longe de acabar. Sem dúvida em breve teremos algo semelhante no meio ambiente. Aí, espero eu, que finalmente o mundo pare e pense se o caminho que estamos seguindo é de fato o que queremos para nós e nossos descendentes.

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